quinta-feira, 3 de abril de 2008

À noite uma luz ilumina tudo.
Acendi a da cozinha e, tirando o quarto de porta fechada, tudo ficou amarelado. Tinha uns cantos que a luz não chegava, por causa da sombra dos móveis. Enchi um copo com água e fui para o banheiro. Fechei a porta, peguei três comprimidos de benflô e sentei no vaso, ainda com o copo na mão, e os bebi.
Eu estava quebrado de dor, Helena não me escrevia há mais de duas semanas; há cinco dias não me acontecia nada, que nem misturando com outro nada gerava, sem esforço, porra nenhuma. Eu estava vivendo momentos antes de minha morte. Eu me olhava no espelho e não conseguia ver nada, se não um mero filho de cristo que não enxergava brilho no próprio olho. Não tinha outro pensamento se não esse, de que eu vivia momentos antes de minha morte. Eu tinha que comemorar isso! Lavei o rosto, os delírios sacaneavam a razão de Kant. Tudo era cor, parque de diversões. O benflô me servia algumas horas de playground.

Descia até a rua da Costa e Silva e tomei uma birita só pra lubrificar as idéias. Lembrei que tinha recebido um convite de Alice, uma noite atrás. Ela queria achar o coelho comigo. Liguei para ela e marcamos no Pubfiction.

- E aí, o que pega? eu disse.
- Tô precisando achar o coelho.
- Que você tem?
- Tenho dois comprimidos e um fino.
- Onde cê qué matá esses daí?, depois agente cai lá pra casa.
- Tem o túnel da Nove ou lá no Vale mesmo.
- Vamo ali na Roosevelt.

Caímos pra Roosevelt e nos sentamos numas escadas que tinha por trás da Augusta, entre o céu de Chagal e a igreja da Consolação. Enquanto ela procurava os comprimidos na bolsa... Se mulher tem desses problemas com a bagunça de seus pequenos caprichos, Alice tinha o dobro disso; carregava a casa no ombro e ainda tinha cara de me perguntar porque suas costas doíam. Enquanto ela os procurava em sua bolsa eu me fazia de guarda.

- Toma o teu.

Engoli e senti ele se misturando aos outros três que eu havia tomado em casa. Olhei pra ela e vi a Monalisa. Ela tinha a pele clara, cabelos negros que desciam em ondas até um pouco abaixo do pescoço; estava num vestido preto com bolinhas brancas e um sapato vermelho todo surrado. Nesse estado seus olhos eram frios e dispersos tal qual a Leonardo. Acreditam que Monalisa era o próprio Da Vinci na versão feminina e dessa eu fico pensando se Alice não seria o retrato vivo de minha natureza morta, numa versão de peitos e sensibilidade. É possível! Nos misturamos tanto, há tanto tempo, que de repente estamos confundidos um no outro a ponto de sermos um só.

- Pega aí.

Subimos uma paralela a Augusta, porque onde tem puteiro tem polícia. Com o cigarro na mão e os pensamentos fazendo mais sombra que a noite, caminhávamos para casa.

8 comentários:

Anelise Freitas disse...

ou, muito foda!

adoro esse tipo de coisa, essa preocupação com os detalhes e não é longo. dá prazer em ler.

A dama Lasciva disse...

Horra dona Alice,num quer dividir o teu lindo coelho branquinho com um dama entediada?rsrs.
Bacana pra kacete negoo, com um copo de vinho na mão eu poderia abraçar o coelho!
Bem, vou ficando por aqui mesmo, e te deixo, um cheiro de jasmim, pensamentos borrifados.

One kiss for you

Nine.

ana disse...

andré, vai tomar no seu cu.

muito foda mesmo.

beijão.

Anônimo disse...

gooood como sempre... descrição minudenciosa.
texto minucioso ^^
Situei-me nos locais donde estavam os alucinados.
Obscuros pensamentos...iluminada criação.
Bju anjo-torto, q germina genialidade.

Alberto Nicco disse...

Gosto das discrição/descrição.
Redigir/agir.

Ha luz que não produz sombra.

Em vez de luz, tem tiroteio no fim do tunel.

Saúdo-te!

Hilo disse...

O circuíto dos espelhos roídos...

pedro mota disse...

Minha vó dizia:
QUER ACHAR POLÍCIA, PROCURA PUTEIRO! ONDE TEM PUTEIRO TEM POLÍCIA!
AFINAL, TODO MUNDO TEM QUE GANHAR SEU SUSTENTO!
AH!
VAI SE FUDER, PORRA!

Jéssica Ignacio disse...

Adorei !!