terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Se é uma declaração de guerra eu não sei, mas ultimamente tenho recebido algumas ameaças. Nunca fui do tipo rádio gravador, sabe como é que é? Que ouve tudo calado e repete tudo igualzinho, como se a sua voz fosse um estranho pra você, tipo sua mãe para o seu pai depois de quarenta anos? Papagaio pra mim é um bicho traiçoeiro. Aprende razoavelmente fácil as coisas, mas não é muito difícil de depois te fuder, fazendo o destino lhe enfiar o dedo no rabo. Acredito às vezes que abusei de mais da palavra. Tipo, se ela fosse uma mulher eu já teria comido ela e a irmã dela, ou se fosse uma garrafa de Johnnie Walker eu teria engolido até a garrafa pra cagar a propaganda. Sou do tipo que não perde tempo pra conhecer alguém. Sempre acreditei que pra ganhar dinheiro você tinha que saber falar, saber conversar e convencer as pessoas de que você é foda e que elas devem te seguir. É uma forma de aumentar a concorrência e acabar com os fracos. Eu tava em casa de molho quando ouvi uma batida na porta. Nem levantei. Só vi uma carta escorregando que nem sabonete por debaixo da porta. Peguei depois e li, 'Toma cuidado', era o que dizia a mensagem. Quem assinava era um tal de FY. FY? Quer dizer o quê, Fuck you!? Foda-se você. Primeiro que eu acho que ameaças de verdade são ações, mais ou menos, inofencivas, tipo um soco na cara, um corte no pescoço. Sem fatalidades. Pra mim mensagem por baixo da porta é coisa de fraco. Com certeza era um caretão que deve ter pensando muito pra chegar até aqui e corrido muito pra desaparecer sem ser visto por mim. Eu não era o filho do Don Corleone, mas costumava encarar sempre de frente os meus problemas. Porque quando se tem um problema, independente da dimensão desse problema, a única pessoa que pode encontrar uma porta, pro paraíso ou pro inferno, é você. Inventar atalhos é fugir de sua consciência e ninguém em sã consciência por exemplo vai se arrumar pra dúvida e dar seu cú pra sorte. O negócio mesmo é lutar e se tiver que lutar, vença.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

"Porque numa queda quem sofre são sempre os joelhos e a canela, mas a cicatriz vai ficar num Picasso"

O nome da mina eu não sei, mas que suas pernas não queriam ser coordenadas por aquele cérebro, essa certeza eu até posso suspeitar ter (quer dizer, eu e Picasso, se ele pôde assistir o que ocorreu no último dia vinte e dois a uma de suas pinturas guardadas no Metropolitan). A moça estava assistindo a uma aula de arte e de repente caiu sobre 'O ator', pintura da fase rosa, a fase 'feliz' do espanhol de Málaga. A queda rendeu um belo rasgo na parte inferior da tela. O reparo vai ser feito nas próximas semanas, segundo o museu. Segundo a moça, a culpa era de suas pernas que se fingiram de surdas para as mensagens do cérebro.

















® imagem: aNDRe FernanDes

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Enquanto a banda do exército demonstrava a Carmen de Bizet, sob a marquise do Ibirapuera, em comemoração ao dia de sei lá o quê; eu fazia gestos de regente olhando pra bunda daquelas duas jovens patinadoras. A loira tinha menos dotes físicos, era desengonçada e não tinha o menor jeito pra sedução. Já a morena era como um espelho para aquela jovem loirinha em processo de amadurecimento. A morena era um fogo para qualquer imagem de Cristo, uma deusazinha que combinava os chifres com a auréola. Mas aquelas duas jovens patinavam para o outro lado da marquise, lá pro final da longa faixa de chão liso, perto do museu e cada vez mais eu ia perdendo o alcance dos detalhes. Segundos depois restavam somente dois pontinhos que iam sumindo, sumindo, até desaparecerem de vez. Eu parecia um bobo, daqueles com dote para o fracasso, tipo o Quasímodo de Notre Dame. As duas nem sequer notaram o meu improviso, os meus movimentos de mestre com os dedos, a tentação que era pra mim aquelas suas bagagens anatômicas, por mais que tivesse que ensinar uma delas a manusear o corpo - apesar que isso era fácil, o necessário era ter a ferramenta. Eu estava acompanhado de dois amigos, um casal. Vieram de fora para ver uma exposição de ficção científica, do tipo de ciência que era para mim que nem o cão era pro gato, um estranho inimigo. Era eles por lá e eu por aqui.